Postagens

Mostrando postagens de 2017

parte em II - || vivências de campo ||

era começo de dezembro e eu odiava a natureza (lá pelo dia 4 mais ou menos), mas não distinguia exatamente qual era a natureza avessa: mais uma vez confirmo a teoria dos lados, os produtos coisa e tal... odiei com tanta força, tantas vezes, sem me dar conta, sem fazer cálculos o que acontece é o seguinte desde cedo o mundo adverte -pra pisar nesse chão, só fazendo procissão, pagando penitência, pra transitar (que é o mesmo que viver), é preciso armadura de flor flor de mandacaru pra proteção, e humildade nos olhos, bom para agrados alheios, amansar assombrações, mulas sem cabeça... flores no cabelo sorriso meio de canto...meio dia...meio vivo...meio morto...meia noite... é no meio da noite que o meio sorriso se disparte, perde propriedade: frágil sacristia não importa a armadura de flores tão usada para atrair abelhinhas, as quais, depois de produzirem mel, batem asas 3 vezes sobre minha boca e se vão: outras variedades de flores para outros tipos de mel o que porto

(( descontorno )) de como gestar palavras ou de amar

Imagem
quando penso em escrever, quero que as palavras sejam o mais honestas possível comigo. não quero dizer o que não disse e muito menos não dizer o que já disse tantas vezes em forma de eco, repetição, das voltas que dou pela casa, de camiseta, ventilador ligado, cantarolando frases de alguma música que acabei de conhecer escuto, gesto - de gestual ou de procriar estudo os sinais é pra ser forte, eu disse mas não me disseram que nois endurece por dentro enquanto endurece por fora "a ordem dos lados altera o produto" já tive medo de odiar, já tive medo de mim mesma, talvez ainda tenha quando escrevo, quero que as palavras sejam o mais escancaradas possível - comigo. me deixo em transe, e quando leio meu auto retrato na forma de verbos, advérbios e adventos, aquele adjetivo feio do medo me cai bem, cheia de predicados. as palavras -as mesmas que me cortam do ventre à garganta feito faca no bucho de tambaqui- me caem bonitas, cheias de coloridos prosaicos - de vu

-> observações de campo III <-

"que extensão de mim tocou-lhe o avesso?" h.h. o café me arrepia "tengo piel de gallina, mi amor" lembra os fios brancos nas cabeças dos amigos venho confundindo a chave de casa           com a chave do trabalho não entro... óculos escuros, suor, café na mão lembrar: a ordem dos lados altera o produto* lado da porta | lado da história dos trópicos só troco a passagem sempre vale perguntar: e tu, visse o verso? a.n. *conceito apresentado em {produto} -13 de setembro, 2017

-> observações de campo II <-

pensar em escrever vem me dando enjoo as palavras me parecem aquela roupa velha que tantas vezes vesti pra te ver aos domingos no finalzinho da tarde desgastadas: a roupa e as palavras notei dia desses que ela também me apertava - um pouco mais que de costume - penso "acho que engordei" expandi: corpo e mente em alinhamento calada, assombrada pelo eclipse de surpresa, me comprei uma saia nova florida, estampa um pouco de gringa me chamaram pra viajar me cambié  cantarolei entre cascalhos e cajus [naxi em yanomami] à beira do lago me deito: saia florida de turista, boca vazia, olhos coloridos pelas flores da saia as formas dos cajus e mangas a temperatura das águas a direção do vento conforme foi escurecendo, compreendi que estava em terras mágicas, outra via láctea não sei a língua tento acostumar os ouvidos, não sei a dança. era lua minguante miro usando lunetas nos olhos compreendo que sou viajante tenho nos pés e nas mãos a mesma poeira de todas as existências: pó de arei

-> observações de campo I <-

sabedoria homem conversando na bicicleta do domingo máquina de fabricar - coisas \ o imaginário | o inútil as diferenças entre tomar banho pra se acalientar e banho pra se resfriar

||caimbé||((árvore cicatrizante))

reverência movimento místico das folhas de buriti que voam feito keri asas em forma de prece escama prata de peixe que corta o rio passada a chuva punhal de lua cheia que sem medo me divide em antes e depois -pralém das fronteiras fortuna azul escura percorrendo igarapés lavrados e mangueiras travessias da bravura se eu fosse passarinho saberia o caminho seria guerreira às margens a flecha se esgueira busca seu curso traça seu rumo : é forasteira e volta ou vuelve, siempre vuelvo e me diz sem gracias: é que aqui a água é de graça

{produto}

ansiedade é um bichinho, aunque voraz, devora aos poucos por dentro espalha barulhos, bitucas, migalhas o que restou do banquete: as parafernálias.

{universos paralelos}

aquele dia em que o sol sem anúncio entra pelas frestas das pálpebras e é como se se abrissem as janelas do tempo: coloco os braços pra fora, sinto o calor me vejo deitada lá à sombra duma árvore frondosa uma forma de profecia um pássaro com uma palavra e o mar, sempre o mar porque as águas, segundo o dizer popular, representam as emoções: as águas com sal, as emoções mais ressequidas e moças é salmoura que se usa pra limpar ferida águo as dores cato conchas caligrafias nos cascalhos _______________________________________ c(s)aio n(d)um sono profundo II aquele dia em que o sol sem cerimônia entra pela fresta da porta e é como se se abrissem as suntuosas janelas do tempo: estico os braços pra fora, sinto o calor estou deitada lá à sombra de árvores frondosas a forma da intuição o pássaro, palavra menina e a chuva, sempre a chuva porque as águas, conforme a sabedoria bruta, representam as emoções: as águas pluviais as emoções mais

{coisas insignificantes I }

hoje três abelhinhas vieram almoçar flores de manjericão no canteiro

{metalinguagem ou saturação}

   o que é ser escritora? tem a ver com viver (vir e ver) e tempo (o cozimento).    há um tempo me sinto numa pausa, nada sai muito fácil, as palavras querem continuar dormindo enquanto o inverno não acaba.    durante o inverno as palavras se esfriam - percebi - deixam de aparecer com frequência, querem dormir, descansar, sem qualquer tipo de incômodo ou cobrança.    dormem para reganhar sentido, amadurecer significados (aquela coisa do tempo de preparo).    no entanto, vez ou outra, algumas despertam brevemente, passeiam um tanto quanto sonolentas, e despretensiosas dão bom dia pra matar a saudade: a escritora se sente só sem suas sílabas, as chama pra sair, sem muito sucesso.    por milagre, ou por simples passagem do tempo, certo dia o sol s(m)e esquenta despertando palavrinhas de prosa sincera, aquelas que não carecem de tantos descansos, forjas ou reencarnações, são sempre mais ou menos do mesmo jeito e pronto.    para o meu espanto, essas são as mais compreensivas, por mostrarem

{recursos naturais}

contemplar as pedras as águas o vale naturezas pairam no ar algumas reconheço de pronto outras me transpassam como antigos desconhecidos: ar rarefeito. nos olhos a sede e o brilho das nascentes que de tão cristalinas me concedem conhecer os segredos dos cursos -ecossistemas - os quais sustentam e habitam seus líquidos já é noite fogueira acesa eu e minhas brasas dançam invocam movimentos e cantos ante(s)passados: rememorar os sagrados lamentos uivo-grito de mulher-loba que com diligência caça em meio às suas próprias noites evitando abismos alheios [madrugada é sinônimo de silêncio] emadrugada busco novas palavras e constelações.

{a origem das espécies}

certo dia um besourinho verde pousou nas cortinas de chita creme da sala ao ritmo das luzes outonais as tramas convertiam-se em movimento o besourinho verde - na instabilidade dos ventos solares e do próprio tecido- parecia dançar: sua dança e a da cortina as horas se passavam e o besourinho continuava ali: patas e anteninhas percorrendo as fibras de algodão quase tão rijas quanto suas próprias asas ao cair da noite se fez hora de apagar as luzes, fechar as cortinas e cuidadosamente bordá-las com estrelas e histórias de besourinhos verdes.

{presságios}

mariposa branca na janela é sinal de lua cheia palo santo palha acesa entre vapores a poeira dos pés se confunde com a poeira dos dias os quais conto por meio de fios brancos na lua crescente e pedras soltas na lua minguante aos poucos me encolho e de tão decrescente viro semente: sem luz, sem mistério nua destrincho universo nas sombras sondo na espera rodopio nessas mesmas crateras germino na tela do metrô o calendário lunar anuncia: não segure as portas do tempo evite atrasos destino lua nova mariposa negra na janela é sinal de farta colheita.

{a-polo 25}

sempre sonhei em ser astronauta solta no espaço sideral flutuando devagar poeira cósmica grudada na ponta dos dedos tipo glitter, na ponta dos cílios grudado no rímel ignoro isso de direção me parece projeção, ereção, dispersão... se me lembro bem das aulas de física da adolescência tudo depende do tal ponto de referência aqui no espaço sideral, perdida no cosmos isso não importa muito, na moral de nada me serve a força brutal não sei lidar muito bem com ausência de peso ou mais precisamente: gravidade por isso, de tempos em espaço-tempos invento campos gravitacionais de conhecimentos escolho centros, imagino vetores coloridos apontando galáxias mais roxas do que azuis mas assim que desvendo o mistério da referência como que num paradoxo de mágica o campo sucumbe por adjacência, talvez coerência e em espiral uma vez mais flutuo pela imensidão de luzes e sombras tudo em câmera lenta não há nada que eu possa fazer nada me acalenta aqui no espaço sideral, perdida no cosmos isso não import

{S.P. state of mind}

invisível eu sou mas se você prestar atenção vai ver que estou do capão à consolação minhas palavras sujam a parede, você fala imunda é a sua ideia que suja de vermelho rubro a calçada você querendo ou não minhas palavras nas paredes continuarão a cutucar sua consciência por baixo do cinza sou cor sou preta, sou vermelha não t[r]emo frente ao agressor você querendo ou não minhas palavras nas paredes continuarão a provocar sua bela cidadela bela, recatada... não por cima do branco -urbano ou humano- imprimo meu grito não hesito porque sou preta, sou vermelha sou palavra, sou centelha.

{encontros clandestinos}

foi naquela tarde morna que recebi a graça de mirar teus olhos de baobá. a princípio fiquei paralisada, estática você olhava pro céu sentia apenas o toque do tambor ancestral pulsar por cada fibra transe em forma de raiz e por um instante revivi todas as minhas vidas passadas e nos teus olhos baobá vi todas as tuas. saí do meu corpo: eu já não era eu, mas senão um buquê de espíritos e estradas estradas de mulheres e homens que perambulando descalços por centenas de milhares de estrelas contam histórias de caçadas e plantios habitamos naquele instante um mistério profundo - revelado por canto grave de mulher velha algo sobre a cor amarela do fim de tarde que ao enternecer nossa testa e nossos lábios traz a benção dos antepassados. admito que poderia ouvir teus contos por algumas vidas sentados, eu e ti, sob a sombra de um baobá aquele dos teus olhos. percorreríamos a trilha da sabedoria de mil flores azuis como nosso único e mais pleno destino. contudo, olho pra ti prisioneiro nesta

{vocábulos frutíferos}

até que eu ceda à sede vulgo agarrar papel e caneta minha mente-turbilhão não sossega me sacio nas palavras contorcidas, porosas, hiperbólicas pontas de lança gume de faca es[x]premedor de laranja parada, contemplativa miro linhas - aquele arame farpado no pomar a caneta insiste quer apanhar e cortar laranja dilacerar precisamente a casca chegar à fina camada branca que esconde os sumos a lança esferográfica cutuca o gomo certeira, explode uma por uma daquelas bolsinhas insignificantes verte, escorre pondero: seria desperdício absurdo não sorver? basta apenas uma bebericada: me contamino acidez e doçura abocanho gomo a gomo papel-bandeja me serve palavra-líquida [gosto daquelas bolsinhas estouradas] fluxos cítricos travestidos de tinta azul me inundam o peito saciam sedes antigas mancham a ponta dos dedos é cheiro alaranjado de vida que escorre pelas páginas do caderno.

{primeiros passos}

sob a luz da lua cores marinhas - serenas e flamejantes encontro espécie exótica de paz: cores dúbias de presságio é fantasma que paira é chão que se pisa minha pele arrepiada não mente ainda assim tocar o mundo imundo com as pontas dos dedos cortados - imprescindível tateando hesitante à meia-luz sinto as texturas: cacos de vidro, pétalas de flores, água morna corrente endógena busco a nascente

{mapa astral}

o calor do fogo que coze frutos, folhas e fubás é o mesmo que vem do sol e coze nossa carne, amadurece sonhos e envelhece mãos. olho pras minhas e vejo as suas dedos largos, estrutura sólida pra agarrar, resistir e dar voz. as pontas, no entanto, finas pontas de agulhas pra tecer histórias, pregar botões e religar tecidos gastos. a sorte, fortuna ou destino não se lê na palma das mãos e sim nas costas - pontilhadas de mil manchinhas feito constelação - cada uma delas é guardiã de um conselho e de uma memória mesma função das estrelas olho para as minhas e vejo as suas contudo, semelhança hereditária pra mim não basta. assim, sigo a trilha das suas mãos: me coloco ao sol, aprendo a cozinhar, agarrar, resistir e falar tecer e religar na esperança de que com o passar do tempo nas costas das minhas mãos eu também tenha constelação registro celeste no barro.